20 de janeiro de 2010

E L A

Rafaela insistia que sua vida pudesse ser levada pelos sonhos, sonhava com o dia seguinte. Tudo de mais especial que fosse acontecer aparecia em seus sonhos, como se ela própria pudesse assistir a sua vida todas as noites. Era um filme muito bonito, as vezes em sépia, P&B, supersaturado, pornô. Sua insistência era tão insistente, que toda vez que sonhava fazia questão de repetir igualzinho ao que já havia assistido.
Os sonhos são movidos pela loucura, aquela não expandida pra fora do real. Um simples desejo repentino durante o dia pode determinar um sonho, e assim sonhamos com pessoas que se transformam em outras, com uma morte surpreendente, ou um fim inexperado. Sonhamos com o que se teme e o que se ama, dois opostos que se combinam e que formam algo simplesmente cruel, ou doce demais.
A loucura dominava aquela vida, pertubava quem a conhecia, animava aqueles que se amam numa noite estrelada. Os dias eram aleatórios demais, sempre um acontecimento surpreendente, uma noite bem dormida, e fofocas para se contar sobre ela. Uma festa em um ônibus. Correr em cima dos trens a meia noite, andar descalço nas ruas na cidade imunda, tomar um banho e não usar toalhas.
Fazer dos seus sonhos reais tornava Manuela uma das mais faladas por onde passava: "Viu o que aquela garota fez! Se atirou da árvore, caiu em cima de um galho, tiveram que levava para o hospital nos braços." E naquele sonho em que ele corria, e o vento batia no rosto de Gabriela, assustada, ela abraçava o pescoço e dizia a ele muito obrigada por tentar salvar sua vida.
No hospital sonhara com o maior de seus medos, morrer. Pensou que aquilo teria de acontecer, já não mais por causa dela, mas porque não havia mais distinção entre sonho e realidade, era tudo uma questão de espera.
Na espera pelo momento ela parada olhando pro teto do quarto, e o teto olhava para ela. Todos aqueles sonhos passavam rápido pela zona de filmes do seu cérebro, como se na evolução de sua vida ela já pudesse projetá-los na parede. E ela ria, ria e ria:"É uma questão de espera!", gritou, aquele grito ecoou pelos corredores brancos do hospital. Um desejo enorme. Decidiu não aceitar a morte, e finalmente parar de sonhar. Levantou da cama, correu até o fim do corredor. Abriu a porta que dava para a saída do hospital, era tudo sépia, era tudo preto e branco, era pornô, era tarde demais.

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